sábado, 6 de agosto de 2011

Machado de Assis: escritor, historiador, contextualizador...atual.

Uma da ótimas crônica de Machado de Assis publicada na imprensa do século XIX.








[2 março] – Machado de Assis
Gazeta de Notícias, Rio de Janeiro - [180] 


  Se todos quantos empunham uma pena, não estão a esta hora tomando notas e coligindo documentos sobre a história desta cidade não sabem o que são cinqüenta contos de réis. Uma lei municipal votada esta semana, destina "ao historiador que escrever a história completa do Distrito Federal desde os tempos coloniais até a presente época", aquela valiosa quantia. O prazo para compor a obra é de cinco anos. O julgamento será confiado a pessoas competentes a juízo do prefeito.
  Não serei eu que maldiga de um ato que põe em relevo o amor da cidade e o apreço das letras. Os historiadores não andam tão fartos, que desdenhem dos proveitos que ora Lhes oferecem, nem os legisladores são tão generosos, que Lhes dêem todos os dias um prêmio deste vulto. Se todas as capitais da República e algumas cidades ricas concederem igual quantia a quem Lhes escrever as memórias, e se o Congresso Federal fizer a mesma cousa em relação ao Brasil, mas por preço naturalmente maior,—digamos quinhentos contos de réis, —a profissão de historiador vai primar sobre muitas outras deste país.
Há só dous pontos em que a recente lei me parece defeituosa. O primeiro é o prazo de cinco anos, que acho longo, em vista do preço. Quando um homem se põe a escrever uma história, sem estar com o olho no dinheiro, mas por simples amor da verdade e do estilo, é natural que despenda cinco anos ou mais no trabalho; mas cinqüenta contos de réis excluem qualquer outro ofício, mal dão seis horas de sono por dia, de maneira que, em dous anos, está a obra, acabada e copiada. Muito antes do fim do século podem ter os cariocas a sua história pronta, substituindo as memórias do Padre Perereca e outras.
  O segundo ponto que me parece defeituoso na lei, é que a competência das pessoas que houverem de julgar a obra, dependa do juízo do prefeito. Nós não sabemos quem será o prefeito daqui a cinco anos, pode ser um droguista, e há duas espécies de droguistas, uns que conhecem da competência literária dos críticos, outros que não. Suponhamos que o eleito é da segunda espécie. Que pessoas escolhera ele para dizer d os méritos da composição? Os seus ajudantes de laboratório?
Eu, se fosse intendente, calculando que a história do Distrito Federal podia esperar ainda dous ou três anos, proporia outro fim a uma parte dos contos de réis. Tem-se escrito muito ultimamente acerca do Padre José Maurício, cujas composições, apesar de louvadas desde meio século e mais, estão sendo devoradas pelas traças. Houve idéia de catalogá-las, repará-las e restaurá-las, e foi citado o nome do Sr. Alberto Nepomuceno como podendo incumbir-se de tal trabalho. Este maestro, em carta que a Gazeta inseriu quinta-feira, lembrou um alvitre que "torna a propaganda mais prática, sem nada perder da sua sentimentalidade atual, e põe ao alcance de todos as produções do genial compositor". O Sr. Nepomuceno desengana que haja editor disposto a imprimir tais obras de graça, empatando, sem esperança de lucro, uma soma não inferior a quarenta contos. A concessão da propriedade é um presente de gregos. O alvitre que propõe, é reduzir para órgão o acompanhamento orquestral das diversas
composições e publicá-las. Custaria isto dez contos de réis. Ora, se o Distrito Federal quisesse divulgar as obras de José Maurício, empregaria nelas os dez contos do método Nepomuceno, ou os quarenta, se Lhes desse na cabeça imprimir as obras todas, integralmente. Em ambos os casos ficaríamos esperando o historiador do distrito, salvo se houvesse homem capaz de escrever a história por dez ou ainda por quarenta contos; cousa que me não parece impossível.
  Um dos que têm tratado ultimamente das obras e da pessoa do padre, é o Visconde de Taunay. A competência deste, unida ao seu patriotismo, dá aos escritos que ora publica na Revista Brasileira, muito valor; é uma nova cruzada que se levanta, como a do tempo de Porto Alegre. Se não ficar no papel, como a de outrora, dever-se-á a Taunay uma boa parte do resultado.
  Outro que também está revivendo matéria do passado, na Revista Brasileira, é Joaquim Nabuco. Conta a vida de seu ilustre pai, não à maneira seca das biografias de almanaque, mas pelo estilo dos ensaios ingleses. Deixe-me dizer-lhe, pois que trato da semana, que o seu juízo da Revolução Praieira, vindo no último número, me pareceu excelente. Não traz aquele cheiro partidário, que sufoca os leitores meramente curiosos, como eu. A mais completa prova da isenção do espírito de Nabuco está na maneira por que funde os dous retratos de Tosta, feitos a pincel partidário, um por Urbano, outro por Figueira de Melo. Cheguei a ver Urbano, em 1860; vi Tosta, ainda robusto, então ministro, dizendo em aparte a um senador da oposição que Lhe anunciava a queda do gabinete: "Havemos de sair, não havemos de cair!" Nesta única palavra sentia-se o varão forte de 1848. Quanto a Nunes Machado, trazia-o de cor, desde menino, sem nunca o ter visto: é que o retrato dele andava em toda parte De Pedro Ivo não conhecia as feições, mas conhecia os belos versos de Álvares de Azevedo, onde os rapazinhos do meu tempo aprendiam a derrubar (de cabeça) todas as tiranias.

(Fonte da imagem: 
http://noticias.r7.com/blogs/eduardo-marini/2009/10/10/os-negros-os-pardos-e-o-ensino-superior-brasileiro/ )

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