quinta-feira, 26 de janeiro de 2012

Entre casas e galinhas

   
Os últimos dias têm reservado aos moradores do Vale do Itajaí desagradáveis surpresas no que se refere a seu patrimônio cultural edificado. Primeiro um casarão no bairro Itoupava Seca, datado de 1895, foi demolido para atender a necessidade de estacionamento de uma escola. Certamente, pelo tamanho da área, para atender no máximo cinco carros e a dar exemplo negativo a mais de mil pequenos cidadãos. No dia seguinte, outro casarão datado da década de 1920, agora no centro de Itajaí, é demolido pelo mesmo motivo; virar estacionamento. Mas, com uma sutil diferença: lá cabem mais carros; no máximo dez. Agora, na calada da noite, mandam demolir a galinha gigante que fica nas margens da Rodovia Guilherme Jensen, com a alegação de que a estátua foi construída em terreno público.

            Estes três fatos têm pontos em comum que merecem ser questionados. Em primeiro, uma preferência descomunal em resolver os problemas dos carros. Estacionamentos só são necessários quando as pessoas não se utilizam de transporte público. Mas transporte público só é usado quando de qualidade. Desta forma o problema é bem mais grave, e não será resolvido com o vazio dos casarões. Já a estátua está em um morro com um belo mirante natural e pouco explorado. Os carros não vão passar onde ela está hoje e nem haverá obras de melhoria na pista. Simplesmente, tem que tirar, pois anteriormente a impressa noticiou que a “penosa” poderia atrapalhar os motoristas. A lógica utilizada deve ser a mesma que estão empregando na ponte Hercílio Luz em Florianópolis. Depois de trinta anos fechada (completados no último domingo) não reformam e deixam-na cair. No fundo do mar, ela não atrapalha com sua beleza os motoristas que entram na Ilha. No final das contas, quem paga o pato (ou a galinha) são os casarões e os monumentos.

Outro ponto singular dos três casos é o posicionamento da justiça. Segundo imprensa, as decisões parecem ser contrarias ao interesse da maioria: a preservação destes pontos. Seja através de ações ou em manifestações populares, este não é o destino que os imóveis citados deveriam ter. Proteger e salvaguardar espaços de interesse público declarado pela maioria dos cidadãos é um dos deveres da justiça. Não questiono os méritos, só estou “ciscando” nos fatos apresentados pela imprensa.

 E por último, nossa total e absoluta falta de comprometimento com o passado. Não que não temos mais interesse em preservar. Mas não temos mais tempo para preservar. Uso como exemplo, eu mesmo, que escrevo estas linhas após ter visto as manchetes de duas casas históricas serem demolidas e de uma estátua que está prestes a ser “depenada” para resolver escrever algo. Admito que a mobilização deva ser constante e o interesse precisa ser despertado. O passado não pede ajuda; ele nos faz lembrar como tudo foi bonito e pode continuar assim.

Por isso, parece besta a discussão em torno de derrubar ou não uma quantidade de cimento e ferro em forma de uma galinha. Algo que até parece piada, como em muitos momentos deixei transparecer nestas linhas. Mas a seriedade está em questionarmos o porquê nosso patrimônio cultural edificado está caindo.   


Eu e meu filho Fernando fazendo nossa homenagem a "Galinhona" (como Fernando a apelidou) - 28/08/2011

Um comentário:

viegas disse...

Darlan, parabéns pela reflexão. Penso que para além de preservarmos o patrimônio edificado, há de se discutir a importância de se manter e/ou recuperar um patrimônio em específico, como no caso do prédio da Rua São Paulo. Não sei se os prédios que citas possuiam relevância histórica e arquitetônica, porém o argumento utilizado pela escola para justificar a demolição é pobre de perspectivas e em nada contribui com a formação cidadã dos seus alunos, como bem apontas na tua reflexão.
Quanto à galinha, da mesma forma, o argumento do poder público (a galinha distrai o motorista) está equivocado ou é hipócrita. Se assim fosse, devemos remover o mar das margens da BR 101, ou construir às margens desta um enorme paredão de concreto, para que o motorista preste atenção apenas nos buracos da estrada. Assim, foste muito feliz na tua citação da ponte Hercílio Luz. Porém há uma questão que deve ser considerada quanto à galinha. Concordo que deixem lá este "monumento" kitsch, porém, em se tratando de terreno público, há de se retirar a marca publicitária afixada na estátua.
Abraço fraterno,
Viegas